Assentado paraibano vira referência em convivência com o Semiárido
cerca de 40 agricultores familiares visitaram a parcela de 40 hectares da família, no Cariri Paraibano
Usando tecnologias sustentáveis e de baixo custo, o assentado e técnico em agropecuária, José Mário da Silva, transformou a parcela da família, no assentamento Novo Campo, no município de Barra de São Miguel em um exemplo de convivência com a região do Semiárido para agricultores familiares da região, que fica a cerca de 215 quilômetros de João Pessoa e há seis anos vem enfrentando uma de suas piores secas.
Na semana passada, cerca de 40 agricultores familiares de municípios vizinhos visitaram a parcela de 40 hectares da família de José Severino Irmão (Deda Preto), pai de José Mário, na região do Cariri oriental paraibano. Durante toda uma manhã, agricultores ligados à Associação de Produtores de Caprinos e Ovinos de Barra de São Miguel (Apocab) e da Comunidade Massapê, no município de Santa Cecília, a aproximadamente 75 quilômetros de distância, conheceram uma série de melhoramentos feito pelo titular do lote.
Dentre as benfeitorias avaliadas estava o biodigestor, a criação de galinhas poedeiras, os pluviômetros, os campos de plantas forrageiras, a horta na vazante do barreiro do assentamento, um pequeno banco de sementes e duas cisternas de placas que garantem água de qualidade para o consumo da família e para a plantação em períodos de seca.
A visita de intercâmbio, promovida pela Coordenadoria Regional da Emater/Gestão Unificada em Campina Grande e acompanhada pelo prefeito de Barra de São Miguel, João Batista Truta, não foi novidade para José Mário, que desde 2010 atua como anfitrião para agricultores que querem aprender como viver e produzir em uma das regiões mais áridas do Brasil. “Até cubanos já recebemos aqui”, disse, com orgulho.
Tecnologia
Para Célia Alexandre de Lima, 35 anos, uma das agricultoras da Comunidade Massapê, em Santa Cecília, que visitaram a parcela da família de José Mário, a tecnologia do biodigestor poderia ser replicada no quintal da sua casa. “Seria muito bom pra minha família porque temos 30 bovinos. Esterco não falta”, disse.
A horta e a criação de galinhas caipiras também chamaram a atenção da agricultora. “Com hortaliças em casa podemos nos alimentar de forma mais natural e saudável”.
Célia, que também é presidente do Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Santa Cecília e faz parte da direção da Associação dos Agricultores da Comunidade Massapê, pretende iniciar uma criação de galinhas para abate em conjunto com outras três famílias da sua comunidade. “Nosso objetivo é vender galinhas abatidas para o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar]”, afirmou.
Mudança de vidaA atual situação da família em nada lembra a época em que José Mário e outros três irmãos, fugindo da seca, foram tentar a vida no Rio de Janeiro, onde ele trabalhou como servente de pedreiro e carpinteiro. “Minha família não tinha condições de comprar nem uma galinha”, contou José Mário.
A mudança de vida da família começou em 2010, quando, ao voltar do Rio de Janeiro, onde havia vivido por dois anos e meio e sofrido de depressão, foi apresentado às tecnologias sustentáveis de convivência com o Semiárido pelo Coletivo Asa Cariri Oriental (Casaco), que compõe a Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), rede de entidades de fortalecimento da agricultura familiar agroecológica. “A gente não tinha nada. Começamos a construir as cercas. Depois, com a ajuda do Casaco, começamos a criar caprinos e bovinos”, disse José Mário, acrescentando que atualmente o rebanho da família é formado por 16 caprinos, seis ovinos e três bovinos.
O “renascimento” da parcela da família trouxe de volta à Paraíba os outros irmãos que também haviam ido para o Rio de Janeiro.
O contato com novos conhecimentos fez José Mário querer aprender mais, levando-o ao curso de técnico em agropecuária pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), concluído em 2014. Foi lá que a experiência prática da família encontrou os saberes técnicos da academia.
Monitoramento pluviométricoA instalação de dois pluviômetros, a um custo de aproximadamente R$ 13 cada, em pontos distantes da parcela foi uma das iniciativas de José Mário que contribuíram para o aprimoramento da produção agrícola da família. Com os pluviômetros, ele é capaz de determinar quantos milímetros de chuva caem nos dois pontos durante uma determinada quantidade de tempo e assim planejar a irrigação de culturas como o milho, que precisa, segundo ele, de 190 milímetros para se desenvolver plenamente; e o feijão, que precisa de 120 milímetros.
“Todo produtor rural deveria instalar pluviômetros em suas propriedades. Antes dos pluviômetros a gente perdia muita produção”, disse José Mário.
Conforme os índices pluviométricos medidos pelo assentado, o ano de 2018 já começou diferente dos anos anteriores, com pouco mais de 160 milímetros até o momento. Em 2017, foram 81 milímetros em todo o ano. O ano com os piores índices pluviométricos registrados através dos pluviômetros da propriedade foi 2012, quando, durante todo o ano, só choveu 30 milímetros.
Setecentos ovos por dia
Grande parte da renda da família de seis pessoas, formada por José Mário, os pais e três irmãos, vem da venda de ovos caipiras nas ruas da cidade de Barra de São Miguel. As cerca de 800 galinhas poedeiras, dividas em dois galinheiros, produzem de 700 a 750 ovos por dia.
Para reduzir os custos com a ração das galinhas – uma das principais despesas com a criação –, a família produz forragem saudável e natural a partir de gliricídia, que, de acordo com a Embrapa, é uma planta resistente à seca e bem adaptada ao nordeste brasileiro, que tem múltiplas potencialidades e é uma opção para as pequenas propriedades rurais, podendo ser utilizada como forragem na alimentação animal, como adubo verde, como cerca viva, árvore de sombra e recuperadora de solos em sistemas agroflorestais.
Além da gliricídia, a forragem para as galinhas também é enriquecida com farelo de milho, capim, moringa, algodão mocó e palma forrageira triturados.
Sem agrotóxicosÀs margens do barreiro que estava seco há sete anos, mas que se encheu com as chuvas que começaram a cair em fevereiro na região, a família hoje acompanha o desenvolvimento das culturas de milho, feijão e jerimum, e da horta que já está produzindo coentro, que também é vendido na sede do município. A produção é irrigada, através de motor, com a água do barreiro.
Tudo que é plantado na parcela da família de José Mário é tratado com biodefensivos produzidos por eles a partir da planta nim, que possui ação defensiva e fertilizante, da maniçoba e das folhas de mamona. “Não usamos agrotóxicos em nenhuma plantação”, afirmou o assentado.
No começo, foi difícil para José Mário convencer o pai, Deda Preto, de que era possível defender as plantações das pragas apenas com biodefensivos. A prova definitiva só veio com testes na lavoura de milho. “Plantamos dois roçados de milho separados. Em um meu pai colocou defensivos químicos e no outro eu coloquei biodefensivo feito com folhas de mamona. Nos dois roçados as pragas sumiram, mas, no roçado onde foi usado agrotóxico, a praga voltou”, contou o técnico em agropecuária.
Biodigestor mais barato
No final de dezembro de 2017, o Casaco implantou na parcela da família mais uma tecnologia barata e sustentável para a convivência com o Semiárido: um biodigestor. Ao custo de R$ 2.300, o equipamento levou apenas dois dias e meio para ficar pronto e já fornece biogás para o fogão da família com o aproveitamento das fezes dos animais.
A partir de 60 quilos de esterco, vindos principalmente dos três bovinos da família, diluídos na mesma proporção de água por semana, o biodigestor é capaz de produzir até 120 quilos de gás metano por mês – o suficiente para suprir as necessidades de quatro casas com até três pessoas cada.
De acordo com o assessor do escritório da Emater em Santa Cecília, Ailton Francisco dos Santos, as vantagens do biodigestor vão muito além da conomia dos recursos financeiros das famílias agricultoras. O uso da tecnologia reduz o desmatamento da Caatinga e, consequentemente, o processo de desertificação do Semiárido; diminui a emissão do gás metano na atmosfera, minimizando o efeito estufa; resulta em biofertilizantes para a produção de frutas e hortaliças; e melhora a qualidade de vida ao gerar renda e respeito ao meio ambiente.
Outra característica do biogás, segundo Ailton dos Santos, é que ele produz uma chama mais quente do que a do gás comercializado nos botijões convencionais. “Com o fogo mais quente, a comida é feita mais depressa”, disse.
Os resíduos gerados pelo biodigestor implantado na parcela de José Mário pelo Casaco já estão sendo usados para adubar principalmente as plantas forrageiras que alimentam as galinhas.
Diferentemente dos biodigestores que já têm se tornado comuns no Semiárido nordestino, e que custam cerca de R$ 3.200, a tecnologia de produção de biogás implantada na área da família tem um custo de instalação mais baixo porque utiliza uma caixa de água com capacidade para três mil litros já adaptada para a construção do equipamento. É na caixa d'água que fica armazenado o gás produzido pela fermentação do esterco, que pode ser transportado através de canos por uma distância de até 60 metros.
Banco de sementes
José Mário mantém ainda um pequeno banco de sementes que é usado pela família e por agricultores vizinhos, que têm o compromisso de multiplicar as sementes e devolver o dobro da quantidade recebida para que outros agricultores também possam ser beneficiados.
Ele usa garrafas pet para guardar as sementes, que são, em sua maioria, de plantas usadas para forragem animal, como gliricídia, melancia forrajeira, moringa, cunhão, feijão guandu, labe-labe e mucuna preta.
“Não tenho quase mais nenhuma semente. Quando vimos a chuva chegando, doei quase tudo”, contou José Mário.
Assistência técnica
O funcionamento de todas as tecnologias de convivência com o Semiárido instaladas na parcela da família de José Mário é acompanhado por técnicos da Emater/Gestão Unificada e do Casaco, que também orientam a família em todos os processos produtivos.
Com assistência técnica adequada, José Mário ainda sonha em instalar mais tecnologias sustentáveis de convivência com o Semiárido, como o reúso de águas cinzas – originadas a partir da lavagem de louças, de roupas e do banho – que, após passar por tratamento em um filtro natural feito com seixos, britas, carvões e areia, poderão ser utilizadas para a ampliação da campo irrigado onde são cultivadas as plantas forrageiras.
Assessoria de Comunicação Social do Incra/PB
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