quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Por que a vaquejada foi proibida se o rodeio é permitido?Vaquejada em Campina Grande (PB): falta de regulamentação atrapalhaVaquejada em Campina Grande (PB): falta de regulamentação atrapalha

Com o veto do STF (Supremo Tribunal Federal) à lei cearense que tornava a vaquejada como prática esportiva e cultural no Estado, os seus defensores se uniram e passaram a pressionar o Congresso para aprovar o projeto de lei que regulamenta e define regras para a atividade.
Mas por que a vaquejada entrou na mira do STF e os rodeios -- também questionados por defensores de animais --, ocorrem sem problemas?
A diferença básica é que a prática de rodeios foi regulamentada por duas leis federais em 2002, que estabeleceram regras que minimizam os maus-tratos aos animais. No caso da vaquejada, não há leis desse tipo.
A vaquejada é uma prática onde o vaqueiro, montado no cavalo, precisa segurar o rabo do boi e derrubar o animal na área demarcada. Para isso, outro vaqueiro vai ao lado do animal para evitar que ele fuja para as pontas da pista. Já no rodeio, o montador vence ao se segurar por mais tempo em cima de um boi ou cavalo, que salta para o derrubar.

Demora em criar regras

Segundo o consultor jurídico da Abvaq (Associação Brasileira de Vaquejada) e representante do Nordeste da Associação Brasileira de Criadores de Quarto de Milha (raça de cavalo usada na prática), o advogado Henrique Carvalho, o problema da vaquejada foi que a definição de regras para proteção animal e divulgação ao público demoraram a ocorrer.
"A vaquejada demorou a vir a público mostrar que não há maus-tratos, como já fez o rodeio. Agora é que os meios de comunicação de grande alcance estão chegando, diferente do que houve com o rodeio", explica, citando que a solução agora é votar o projeto de lei sobre o assunto.
Segundo Carvalho, todas as questões relativas a maus-tratos aos animais foram sanadas. "Resolvemos todos os passivos. Existia, antigamente, uma fratura de cauda do boi, e existe um protetor desenvolvido e patenteado que é usado há dois anos. Esse problema foi solucionado completamente, com 100% de êxito. Outro problema que dizem, e que é mentira, que na vaquejada e no rodeio usava choque no animal. Quando se dá choque no boi, ele fica mais lento, e precisamos que ele corra e, no rodeio, pule. Já em relação à queda do boi, foi resolvido com um colchão de areia de mais de 30 cm, que garante a segurança do animal", disse.
O advogado explica ainda que os bois usados em rodeio são caros e não sofrem qualquer tipo de ferimento, sob pena de prejuízo aos participantes.
"O boi participa da corrida apenas uma vez na vida, porque após isso ele cria uma habilidade, passa a ter uma destreza que ninguém consegue derrubar. Esses bois maiores, da fase final da vaquejada, vão da prova direto para o abate. Se machucasse, os frigoríficos não receberiam. O custo de um boi desse varia de R$ 2 mil a R$ 4.000, ou seja, ficaria completamente inviável sob a perspectiva econômica", explica.
Sobre a decisão do STF, Carvalho conta que é necessário ainda esperar a publicação do acórdão e dos votos dos ministros. Por ora, o calendário de vaquejadas segue normalmente.
"A votação foi apertada (6x5), e o que vai atingir as outras vaquejadas não é a decisão, mas sim o motivo pelo qual os ministros votaram. Se julgaram que a lei é ilegal porque causa maus-tratos, transcenderá para todos os Estados. Se isso não ficar específico, se algum ministro votou contra porque a lei não tinha previsão de colchão de areia, do protetor de cauda, aí muda tudo", conta.

Rodeio dentro da lei



Peão compete em rodeio na tradicional festa de Barretos (SP)

Já no lado do rodeio, a prática tem regulamentação federal que prevê uma série de regras que garantiriam o bem-estar animal. "São duas leis criadas juntas com a confederação. Entramos com uma solicitação, passou no Congresso, foi para o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que a sancionou", explica Roberto Vidal, presidente da Cnar (Confederação Nacional de Rodeio), que também defende a regulamentação da vaquejada.
Apesar da regulamentação, o rodeio não escapa de decisões de juízes e até de leis municipais que vetam a prática. Isso ocorre com relativa frequência, segundo Vidal. Desde 2013, foram pelo menos 13 decisões derrubadas que vetaram rodeios.
"Eles entram com ações e conseguem essas decisões. Às vezes, o cara é de uma cidade, fala com o promotor, diz um monte de barbaridade, e o MP entra com a ação e o juiz acolhe. Mas temos ido em instâncias superiores e derrubado. Metade ou mais conseguimos derrubar", explica.
Hoje, o rodeio conta com uma confederação, que tem federações em 16 Estados e 1.800 eventos no Brasil. "Começamos com cinco federações e crescemos. Defendemos que tem de ocorrer, sim, um controle. Sem dúvida, mas com esse parâmetro, não há problemas, como é o nosso caso", explica.
Com a lei, a confederação criou o "selo verde", que garante que aquele rodeio está realizando de forma legal e sem maus-tratos. Além da lei, há uma instrução normativa de 2008, do Ministério da Agricultura e Pecuária, e manual de responsabilidade técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária, de 2010.
"Quem garante do bem-estar animal é uma comissão de veterinários. Eles que andam e vão ver uma série de fatores. Existem lendas, por exemplo, de que o rodeio aperta os testículos do boi. Não é verdade", disse.

Projetos e leis



Apoiadores da vaquejada têm pressionado o Congresso pela regulamentação da atividade

Na última terça-feira (1), o Senado aprovou o projeto de lei que eleva a vaquejada e o rodeio à condição de "manifestação cultural nacional".
Ainda há projetos na Câmara: um projeto de lei e uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que podem definir as regras e regulamentar a vaquejada no Brasil. O tema não é novidade na casa, mas ganhou força com a decisão do STF que considerou a prática inconstitucional.
Em 2014, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara aprovou um p rojeto de lei do deputado Efraim Filho (DEM-PB) que classifica a vaquejada como "atividade desportiva". "Sua prática deve respeitar as regras de proteção à saúde e à integridade física dos animais", diz o projeto, que aguarda votação.
Já a PEC citada é 270/16, que classifica rodeios e vaquejadas patrimônio cultural imaterial brasileiro, de autoria do deputado João Fernando Coutinho (PSB-PE). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu criar uma comissão especial para analisar a PEC.
Além da lei cearense derrubada, outros Estados têm leis próprias. Na Bahia, há uma lei sancionada em novembro de 2015 regulamentando as vaquejadas. Em setembro também do ano passado, foi a vez de Alagoas aprovar uma lei que transformou a vaquejada em esporte.
Depois da decisão do STF, as assembleias do Rio Grande do Norte e do Piauí tiveram projetos apresentados projetos para tornar a vaquejada patrimônio cultural e regulamentando-a como atividade esportiva. Na Paraíba, houve a instalação da Frente Parlamentar em Defesa da Vaquejada.

Maus-tratos em ambos

Para os defensores de animais, não há muita diferença entre as duas práticas. "É uma prática cruel, não tem nada de tradição, cultura, esporte: é sadismo e tortura animal! E mesmo se for tradição, tem que acabar. A escravidão não era tradição, cultura e não acabou?", questiona Geuza Leitão, presidente da UIPA (União Internacional de Proteção Animal), que questionou a lei cearense.
Segundo ela, tanto a vaquejada, como o rodeio, submetem a um tratamento cruel os animais, com práticas que não seriam mostradas ao público. "Os rodeios, por exemplo, para o boi pular, é colocado um cinto para apertar a virilha. Na vaquejada, cortam o chifre do animal para não furar o cavalo e o montador. Regulamentar é um erro. Não existem essas práticas sem crueldade aos animais", disse.
Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), a vaquejada deve ser proibida por ser ofensiva aos animais, e por ser dever do Estado protegê-los.
"É ressabido que as vaquejadas traduzem situação notória de maus tratos a animais. A prática é inconstitucional, ainda que realizada em contexto cultural. (...) O fato de a atividade resultar em algum ganho para a economia regional tampouco basta a convalidá-la, em face da necessidade de respeito ao ambiente que permeia toda a atividade econômica", disse, em parecer na ação do STF que derrubou a lei cearense, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

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