Fossa séptica biodigestora beneficia 57 mil pessoas no campo
Um
levantamento realizado pela primeira vez revela a adoção de mais de 11
mil unidades da fossa séptica biodigestora, tecnologia simples
desenvolvida por pesquisadores da Embrapa e voltada ao saneamento básico
rural. A fossa foi adotada em mais de 250 municípios brasileiros, nas
cinco regiões do País, gerando benefícios para 57 mil pessoas. Realizado
pela Embrapa Instrumentação (SP), o levantamento abrange as tecnologias
instaladas pela rede de parceiros institucionais, como poder público, e
organizações da iniciativa privada e do terceiro setor.
A fossa séptica biodigestora pode ser integrada a outras tecnologias de saneamento também de fácil instalação: o clorador Embrapa e o jardim filtrante,
este destinado ao tratamento de águas de pias e ralos da casa e do
efluente tratado pela própria fossa séptica. Ao substituir as fossas
negras, essas tecnologias de saneamento protegem a saúde dos moradores
do campo geralmente não atendidos por redes de esgoto. Do mesmo modo,
elas promovem a proteção ambiental ao evitar que dejetos contaminem solo
e corpos d'água.
Impactos sociais, econômicos e ambientais
De acordo com o coordenador do levantamento, o engenheiro civil da
Embrapa Instrumentação Carlos Renato Marmo, as 11.502 Fossas Sépticas
Biodigestoras instaladas beneficiaram uma população aproximada de 57.500
habitantes em todo o Brasil. Marmo, que possui mestrado em Saneamento,
destaca que a população beneficiada é muito maior, pois o saneamento
básico apresenta impactos não só no campo como também nas cidades, já
que as fontes de água e os mananciais estão na zona rural.
A ausência de saneamento básico apresenta consequências na qualidade de
vida, na saúde, na educação, no trabalho e no ambiente, conforme relata
o estudo realizado pela pesquisadora da Embrapa Cinthia Cabral da
Costa, e pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Joaquim José
Martins Guilhoto. Eles demonstraram que a construção do sistema de
saneamento básico proposto pela Embrapa poderia reduzir, anualmente,
cerca de 250 mortes e 5,5 milhões de infecções causadas por doenças
diarreicas. Comprovaram também que cada R$1,00 investido na adoção dessa
tecnologia poderia retornar para a economia R$4,69.
Baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), de 2014, Marmo esclarece que na área rural do País vivem cerca
de 30,5 milhões de habitantes, sendo que menos de 50% dessa população
tem acesso a sistemas de coleta ou tratamento de esgoto adequados.
Para o presidente do Instituto Brasil, Édison Carlos, soluções para
pequenas comunidades são sempre bem-vindas. "Esse trabalho realizado
pela Embrapa é muito importante para amenizar a situação", mas argumenta
que ainda é pouco para a enorme necessidade do Brasil.
Embora criadas respeitando o conceito de sustentabilidade, baixo custo,
fácil aplicação e replicabilidade, as tecnologias de saneamento ainda
possuem um enorme potencial para adoção em todo o País. Dos 5.570
municípios do território nacional, 4,45% adotaram as tecnologias
sociais. O levantamento sinaliza que o acesso aos serviços de saneamento
básico na área rural ainda é um dos principais desafios para vencer a
crise sanitária que afeta a qualidade de vida e a saúde de milhares de
pessoas no campo.
O pesquisador da Embrapa
Wilson Tadeu Lopes da Silva acredita que o modelo da Fossa Séptica
Biodigestora é o ideal para substituir a tradicional fossa negra, muito
comum na área rural e responsável pela contaminação das águas
subterrâneas. "Esse sistema biológico necessita de poucos insumos
externos para que se obtenham resultados adequados, é simples, de baixo
custo e de eficiência comprovada na biodigestão dos excrementos humanos,
com eliminação dos agentes patogênicos", afirma.
Destaque no Sudeste
O resultado do levantamento aponta que o percentual da população que
mais se beneficiou com as tecnologias sociais está concentrado em
estados da região Sudeste, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
é maior, como São Paulo com 0,783 e Rio de Janeiro com 0,761. A escala
do índice vai de 0 (pior) a 1 (melhor) representando uma medida
concebida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para avaliar a
qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de uma população
O presidente do Instituto Trata Brasil acredita que falta foco no
problema e mais atuação de todas as instâncias governamentais para
universalização do saneamento básico, não só na área urbana, mas também
na zona rural do País.
De acordo com o estudo
da Embrapa, a região Sudeste concentra o maior número de tecnologias
instaladas: 9.445 ou 88,1% do total. Só os estados do Rio de Janeiro e
São Paulo instalaram juntos 7.847, ou seja, 68,3%. São Paulo, com uma
população rural de quase 1,7 milhão de habitantes (IBGE 2010), é o
estado com o maior número de municípios a adotar o sistema de saneamento
básico rural. Dos 645 municípios, 63 instalaram 3.760 unidades da Fossa
Séptica Biodigestora.
Mas é o Rio de Janeiro
o estado que, proporcionalmente, mais adotou a Fossa Séptica
Biodigestora. Em 37 municípios, o total instalado foi de 4.087, o que
atende a um pouco mais de 3% dos quase 526.000 habitantes da área rural
fluminense. No Município de Cambuci, 58% da população de 3.535
habitantes adotaram a tecnologia; é o que mais concentra unidades da
Fossa Séptica Biodigestora: 409, seguido por São Francisco do Itabapoana
com 309 fossas instaladas.
A força da parceria
A Constituição Federal determina que os municípios são os responsáveis
pelas ações de saneamento básico. No entanto, ainda são poucas as ações
públicas locais que atuam na incorporação das tecnologias, com políticas
que visem à universalização do sistema de saneamento básico na área
rural. Diante dessa situação, a Embrapa Instrumentação contou com o
apoio de diversos parceiros para o financiamento e a execução de
projetos de instalação das tecnologias de saneamento básico
desenvolvidos pela Empresa.
Três instituições,
a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do Estado de São Paulo
(Cati), a Fundação Banco do Brasil e o Programa Rio Rural (RJ), foram
responsáveis por 92,5% do total de tecnologias instaladas no Brasil.
Além dessas, outras 15 instituições parceiras espalhadas pelo Brasil
atuaram em projetos para instalação majoritária da Fossa Séptica
Biodigestora, do Clorador Embrapa e do Jardim Filtrante.
Metodologia
A coleta de dados, principalmente, em instituições parceiras foi
realizada durante os três primeiros meses de 2016, e foi apoiada em
pesquisas na rede mundial de computadores, censos populacionais do IBGE,
contatos com associações de agricultores e outras fontes. O
levantamento quantitativo, no entanto, não reflete o total de
tecnologias instaladas, considerando o grau de dificuldade para
identificar todos os usuários que adotaram o sistema, principalmente
pelas ações de divulgações e capilaridade dos parceiros.
As tecnologias são de cunho social e de domínio público. A Embrapa
apenas orienta a instalação e disponibiliza informações para a montagem, por meio de sua página na internet ou contatos via "Fale conosco" da Embrapa.
Irrigação de macadâmia
Destinada ao tratamento do esgoto doméstico, a primeira unidade foi
instalada, em 2001, na Fazendinha Belo Horizonte, no Município de
Jaboticabal (SP), onde o adubo orgânico gerado pela Fossa Séptica
Biodigestora é utilizado para irrigar os 6.500 pés de noz macadâmia. O
pomar produz anualmente cerca de 70 toneladas de macadâmia em casca, que
são destinadas ao mercado brasileiro.
Paula
Santana, proprietária da Fazendinha Belo Horizonte, diz que o principal
benefício que a tecnologia trouxe para a propriedade, que instalou mais
quatro unidades, uma em cada casa das cinco existentes na propriedade,
foi a eliminação das chamadas fossas negras e, em segundo lugar, a
geração de efluente tratado como um excelente adubo orgânico. "A fossa
séptica é um excelente recurso para preservar o meio ambiente das
propriedades rurais. Tem baixo custo de instalação, fácil manutenção e,
de sobra, produz um ótimo adubo líquido", afirma.
Fossa Biodigestora
A Fossa Séptica Biodigestora foi desenvolvida pelo médico-veterinário
Antonio Pereira de Novaes, falecido em 2011, e segue os princípios dos
biodigestores asiáticos e das câmaras de fermentação de ruminantes, como
os bovinos. Assim como no estômago multicavitário do animal, a
tecnologia também é composta de vários tanques de fermentação, onde o
esgoto doméstico − fezes e urina − passa pelo tratamento anaeróbio,
tornando-o apto para uso como fertilizante agrícola a ser aplicado no
solo.
A montagem de um conjunto básico da
tecnologia, projetado para uma residência com cinco moradores, é feita
com três caixas d´água de 1.000 litros (fibrocimento, fibra de vidro,
alvenaria, ou outro material que não deforme), tubos, conexões, válvulas
e registros. A tubulação do vaso sanitário é desviada para a Fossa
Séptica Biodigestora.
As caixas devem ficar
semienterradas no solo para que o sistema tenha um isolamento térmico e,
assim, não ocorram grandes variações de temperatura. A quantidade de
caixas deve aumentar proporcionalmente ao número de pessoas na família.
Assim, a ciência conseguiu recriar um ambiente simples, funcional,
estético e sustentável, de custo relativamente acessível.
Desafios para a adoção
Apesar dos milhares de sistemas instalados, muito ainda deve ser feito
para que se chegue à universalização do saneamento básico no Brasil.
Atualmente, está sendo discutido o "Programa Nacional de Saneamento
Rural", conduzido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de onde se espera seja
estabelecida uma estratégia nacional de ações.
Esse trabalho é parte integrante do "Plano Nacional de Saneamento
Básico" (Plansab), que visa a ações e políticas voltadas ao saneamento
básico para até o ano de 2033. Representantes da Embrapa têm participado
de diversos fóruns de discussão sobre o tema.
Atualmente a Embrapa está cooperando com ações envolvendo a instalação
de fossas, em várias regiões do Brasil. O trabalho, além das instalações
em si, visa a embasar e fortalecer políticas públicas que ajudem a
universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico.
"Enquanto isso, a implementação das soluções tecnológicas continuará
dependendo de projetos localizados regionalmente, muito importantes, mas
descolados de uma estratégia integrada no nível nacional", comenta
Wilson Silva da Embrapa.
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