Com ela, a produção agrícola brasileira explodiu. E foi essa expansão incrível que fez a Rede Globo criar, em 1980, um programa voltado para o campo: o Globo Rural, que agora retrata um pouco dessa evolução tecnológica.
Ao longo das últimas décadas, o Brasil consolidou uma das maiores redes de pesquisa agropecuária do mundo.
Dr. Eliseu Alves foi figura-chave nessa história. Agrônomo, ele fez parte do grupo que, em 1973, fundou a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Naquela época, o Brasil já tinha universidades e centros de tecnologia voltados para a agricultura, mas a produção científica era insuficiente e, apesar do potencial do nosso campo, o Brasil ainda importava muita comida.
“Os criadores da Embrapa eram recém-egressos de universidades americanas. Então, nós descobrimos que a grande diferença dos Estados Unidos era conhecimento. E nós viemos com essa idéia para cá, de criar uma instituição que fosse capaz de gerar conhecimentos para a agricultura brasileira. O Brasil era um país grande que tinha potencial para ser grande e a Embrapa teria que ser do tamanho do Brasil”, explica Eliseu Alves, agrônomo da Embrapa.
Hoje a Embrapa conta com quase 10 mil funcionários, 46 centros de pesquisa e estuda de tudo em todos os cantos do Brasil: variedades de plantas, genética animal, solos, pastagens, manejo florestal e adubação. O agrônomo Maurício Lopes é o presidente atual da Embrapa.
“A ideia de se criar uma organização de pesquisa localizada em todas as partes do Brasil fez a grande diferença. Nós levamos a ciência para o interior do Brasil.O Brasil hoje é considerado a grande liderança para a agricultura, para a ciência e a inovação para a agricultura no cinturão tropical do globo”, diz Maurício Lopes, presidente da Embrapa.
Graças ao trabalho da Embrapa, de universidades e vários institutos de pesquisa, o Brasil rural deu um salto em termos de produtividade.
Veja o caso dos grãos: entre 1970 e agora, enquanto a área plantada passou de 27 mihões para 57 milhões de hectares, ou seja, pouco mais que dobrou, o volume total produzido saltou de 29 milhões para 200 milhões de toneladas, quase sete vezes mais.
Em outras palavras: os nossos agricultores passaram a produzir mais do que o triplo em cada hectare cultivado.
Grande parte desse avanço ocorreu graças ao surgimento de uma segunda safra de grãos, a chamada safrinha, que começa a ser plantada logo após a colheita de verão, entre janeiro e abril.
De volta à fazenda da dona Terezinha Brunetta, em Diamantino (MT), ela e a filha Keila plantam milho e feijão-caupi nas mesmas áreas que foram usadas para a soja. Coisa que, segundo elas, não existia no passado.
“Era colhido e gradeado e a terra ficava descoberta. Toda aquela entressafra que hoje nós plantamos o milho, na época ficava descoberta", afirma a agricultora Terezinha Brunetta.
Hoje, dona Terezinha pode fazer combinações variadas na fazenda: soja no verão e milho no inverno; soja e algodão; soja e girassol, milho e feijão. Tem gente até que aproveita o período da safrinha para plantar capim e fazer engorda de gado, na chamada “integração lavoura-pecuária”.
Para o agrônomo Álvaro Salles, a segunda safra se tornou possível por dois motivos: natureza favorável, com abundância de sol, calor e chuva, e uso de tecnologias adaptadas para a região. Entre elas, ele cita as técnicas de adubação e correção de solo do Cerrado, o plantio direto na palha e a soja precoce.
“Nós temos instituições como a Fundação Mato Grosso que começaram a adaptar a soja, algumas variedades de ciclo curto. Aí o produtor começou a ver essa questão de plantar uma segunda cultura e você ter retorno”, diz Álvaro Salles, diretor-executivo do IMA.
Com tantas mudanças, dona Terezinha explica que a fazenda passou a aproveitar melhor o espaço. No passado, cada hectare cultivado gerava, por ano, 30 sacas de soja, da safra de verão. Hoje, cada hectare rende anualmente 60 sacas de soja e mais a produção da safrinha: 115 sacas de milho ou 27 sacas de feijão-caupi. “Sem comparação. E é resultado devido à tecnologia que foi surgindo”, conta a agricultora Terezinha Brunetta.
Outra mudança central para a nossa agricultura foi a mecanização. O Brasil rural dos anos 1960 tinha apenas 61 mil tratores em atividade. Hoje, cerca de 1 milhão de máquinas agrícolas de todo tipo e tamanho estão rodando pelo país.
Além de elevar a produtividade, os equipamentos também provocam grandes mudanças para quem trabalha no campo. Um exemplo disso vem dos canaviais.
O uso de máquinas para a colheita da cana-de-açúcar começou nos anos 1980 e, aos poucos, foi se espalhando por todas as regiões do Brasil. Atualmente, no estado de São Paulo, que é o principal produtor brasileiro, nada menos do que 85% da safra é colhida de forma mecanizada.
Até os anos 1980, a Usina São João, em Araras (SP), empregava milhares de cortadores na safra. Hoje, a atividade é quase toda mecanizada, como conta Humberto Carrara, o diretor agrícola da empresa.
“Primeiro, representa a sobrevivência, porque hoje seria impensável colher esse volume de cana manualmente. Nós nem sequer teríamos essa oferta de mão de obra. A colheita mecanizada é mais barata, e 30% a 40% mais barata do que a manual”, conta o diretor agrícola Humberto Carrara.
Cada colheitadeira que entra em atividade substitui 80 cortadores de cana e, ao mesmo tempo, gera 17 novos empregos para operadores, tratoristas, motoristas de caminhão.
Raimundo da Silva passou por treinamento e trocou o facão pela colheitadeira. Hoje trabalha na sombra, com ar condicionado e ganha em média R$ 2,5 mil por mês, uns 30% a mais do que ganharia no corte.
“Deu uma melhorada, né? O corpo já resiste mais do que se tivesse cortando cana. Melhorou bem”, diz Raimundo da Silva, operador de colheitadeira de cana.
Ex-cortador, Genílson de Souza se tornou mecânico. “A vantagem é que é uma profissão melhor. O facão é uma profissão muito pesada e é um desenvolvimento muito bom para mim”, explica o mecânico Genílson de Souza.
Ao longo do tempo, o aumento do uso de máquinas e implementos ocorreu em todo país, mas em ritmos variados nas diferentes lavouras e regiões. E, enquanto os equipamentos foram entrando no campo, milhares de pessoas foram migrando para as cidades, em busca de novos empregos que surgiam na construção civil, na indústria e nos serviços.
Doutor em economia agrícola, Antônio Buainain, da Universidade de Campinas, fala sobre as mudanças do trabalho no campo.
“A gente contava com uma oferta quase ilimitada de mão de obra. E isso está mudando radicalmente. Hoje, na maior parte dos setores, nós temos escassez de mão de obra. Isso muda o paradigma. Por que muda o paradigma? Porque obriga a usar tecnologia, que permite intensificar, poupa mão de obra e também muda o campo. O resultado disso é que você tem um perfil de mão de obra mais qualificado, com nível de salários mais elevados do que no passado. Então, você começa a ter essa mudança”, afirma Antônio Buainain, economista da Unicamp.
Mas em muitos lugares a condição dos trabalhadores rurais permanece precária, com desrespeito às leis trabalhistas e até denúncias de trabalho análogo ao de escravo. Assim, o mesmo país que abriga funcionários qualificados, do século 21, ainda convive com situações do século 19.
Quando o assunto é o acesso à tecnologia, as desigualdades também são grandes, com tratores modernos pra uns e tração animal para outros. Mas se engana quem pensa que a evolução tecnológica ocorreu apenas em fazendas grandes ou nas regiões mais ricas do país.
Na Zona Rural de Petrolina, no sertão de Pernambuco, é possível encontrar as formas mais convencionais da produção agrícola. A matraca, por exemplo, que é coisa do passado em várias regiões do país, naquela região ainda é o principal instrumento para fazer os plantios.
Seu João de Deus e Souza, conhecido como seu Dãozinho, tem um sítio onde cultiva 18hectares de milho e melancia, e mantém pequeno rebanho de gado, cabras e ovelhas.
Em grande parte da área, o plantio é feito com a matraca, que a cada batida na terra libera uma semente. Para muita gente, seria um sinal de atraso, mas, para ele, foi uma melhoria.
“Porque, de antes, plantava com a enxada, abrindo um buraquinho para entupir com o pé. Aí você tinha muita dificuldade para plantar a roça e, com a matraca, avançou muito, a gente conseguiu plantar com mais rapidez”, conta o produtor rural João de Deus e Souza.
Outra evolução para o sítio é que, há alguns anos, seu Dãozinho conseguiu comprar um trator usado e uma grade. Depois, ele acoplou uma plantadeira improvisada ao implemento. A engenhoca, feita por um vizinho, tem um compartimento para o milho e, embaixo, uma mangueira plástica que vai soltando as sementes. O equipamento já substitui a matraca em algumas áreas do sítio.
“Com o decorrer do tempo, com a modernização, vai chegando essas oportunidades da gente facilitar o trabalho da gente”, conta o seu Dãozinho.
Seu Dãozinho mora com a mulher, dona Luzia, professora aposentada. Juntos, eles já passaram por muita dificuldade no sertão, mas, ao longo do tempo, foram melhorando de vida. Um dos principais avanços foi a chegada da energia elétrica.
“Televisão a gente tem como assistir os programas, os canais, tem como beber uma aguinha gelada”, diz ele.
Hoje, o casal vive em uma casa equipada, com móveis e eletrodomésticos, coisa que eles não tinham no passado. Outra conquista dos últimos anos foi a construção de uma cisterna, que armazena água da chuva.
Quando compara a vida de hoje, com o passado que viveu no sertão, seu Dãozinho não tem dúvida: “A cada ano, a cada década, cada vez vai melhorando”.
O aumento das áreas de irrigação foi mais uma novidade no sertão nordestino ao longo desse meio século. A fruticultura moderna tomou conta de milhares de hectares, como no Vale do São Francisco, em Pernambuco e na Bahia.
Na terceira parte da reportagem, o Globo Rural continua a viagem pelos 50 anos da nossa agropecuária: as novidades na produção de carnes, o salto na exportação e as mudanças na relação entre agricultores e meio ambiente.
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