Pequeno e médio produtor rural está sem assistência
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Os dois anos de estiagem sabidamente trouxeram prejuízos ao semiárido nordestino que transpassam os aspectos financeiros. Mas a falta de perspectivas de políticas públicas que melhorem essa convivência do homem com a seca é, de acordo com o presidente da Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado do Rio Grande (Faern), José Álvares Vieira, o principal entrave à população que habita essa região. Mesmo em estado de emergência, as ações são morosas e não conseguem acompanhar ou se antever às necessidades do agropecuarista, segundo a Faern, que cobra providências governamentais para dar celeridade à implementação dos programas e uma política de crédito mais justa para os pequenos e médios produtores.
Nesses dois anos, a Faern afirma que a corrida por essa ração subsidiada fez o pecuarista criar uma situação danosa ao setor: declarar à Conab um rebanho que já não existia nos currais, na tentativa de captar uma quantidade maior de milho nos galpões. Uma irregularidade que os gestores não conseguiram estancar e que mesmo após dois anos de seca e uma grande mortandade de gado, fez o rebanho bovino do Rio Grande do Norte aumentar nas estatísticas oficiais. Algo que mais à frente poderá ter implicações ao setor. Confira a entrevista.
Quais as implicações de dois anos seguidos de seca para o setor agropecuário?
A seca não acabou. Existe a possibilidade de um inverno dentro da normalidade. Dia 20 tem mais uma reunião dos meteorologistas em Fortaleza (CE) para analisar os próximos três meses e aí sim teremos noção de como será o ano. Mas os anos de 2012 e 2013 foram os piores dos últimos 50 anos com relação à incidência de chuvas. A pecuária de leite reduziu em 50%, com alta mortalidade de gado em função da seca, parte desse gado vendida para salvar o restante do rebanho. Alguns criadores venderam para evitar as perdas. Foram anos de muitas dificuldades em relação à pecuária de corte e de leite. Perdas severas também na produção de castanha de caju, queda superior a 70% nesses dois anos. Passamos de grande exportador de castanha à quase inexistência de produção. Situação similar na apicultura, com redução superior a 90% na produção e também queda na produção de cana-de-açúcar (30%).
Em 2014 é que conheceremos a dimensão dessas consequências?
Não. A perda é instantânea. À medida que falta chuva, falta produção e temos perdas — de rebanho e leite, por exemplo. O produtor é quem mais sofre com a seca porque ela é silenciosa. A falência vem de forma silenciosa, e vai morrendo aos poucos porque deixa produzir também os grãos. O setor agropecuário do Rio Grande do Norte está passando pelos piores momentos dos últimos 50 anos, por falta de ações de governo. Não estamos pedindo favor, nem esmola. Queremos o reconhecimento do trabalho desses produtores pelo país.
Em 2013 a Faern estimou a perda no rebanho bovino Estado. Há um dado consolidado?
Se formos levar em conta os dados oficiais, tivemos até aumento nesse rebanho, mesmo considerando os dois anos de seca. Os dados, no entanto, não condizem com a realidade. Com o objetivo de obter ou manter uma quantidade maior de milho junto à Conab, muitos criadores declararam um rebanho que tinham antes da mortandade ou mesmo venda desse gado. Por isso essa distorção nos dados oficiais. Algo perigoso para a pecuária do Estado, especialmente agora que somos área livre da aftosa. O Idiarn precisa urgentemente fazer um censo nas propriedades rurais para termos um dado preciso, pois o último levantamento é de 2006. A informação que temos é que será feito entre março e abril com cobertura entre 10 a 12 mil propriedades rurais. Só assim teremos a segurança de o nosso sistema de defesa agropecuária estará rodando de forma confiável.
Muitas das promessas e ações não saíram do papel?
Em 2013, a Federação fez um documentário chamado “retratos da seca”, quando percorremos mais de 1.100 km em vários municípios para mostrar e dar visibilidade à tragédia que estava ocorrendo nas propriedades rurais. Isso rendeu um documento entregue ao Governo do Estado. Mas infelizmente não tivemos sucesso. Por outro lado estivemos também com a presidenta Dilma Rousseff, quando ela esteve em Ceará Mirim, e entregamos um documento, mostrando a tragédia daquele momento. Pontuamos quatro itens: perfuração de poços, que não está funcionando de forma a contento; a continuada falta de milho da Conab; a questão do endividamento que o governo só fez empurrar com a barriga até 2016; e o acesso às linhas de crédito emergenciais, que para o pronafiano ela é imediata, e para o pequeno e médio produtor precisa atender 23 itens que são totalmente impossíveis de atender, fazer projetos e todo tipo de certidão, porque o risco ali é do banco. Quando é para o agricultor familiar e para o trabalhador, o risco é do Tesouro.
Quais as implicações do endividamento?
O pequeno e médio produtores rurais não tiveram nenhum apoio e suporte do governo, seja estadual ou federal. São os mais sacrificados porque os pronafianos, aqueles da agricultura familiar, têm garantia safra, crédito emergência, e vários outros programas. Já o pequeno e o médio não têm qualquer assistência. Por isso é onde está a falência maior do setor.
Decretar estado de emergência nesses dois anos tem surtido os efeitos esperados?
O que mais dificulta para isso funcionar é a vontade política. Enquanto o governo não entender que essa questão do semiárido precisa ser tratada com bastante responsabilidade no sentido de que é urgente, porque temos mais de 500 mil pessoas morando nessa região, pouco vamos avançar. Essas pessoas precisam do mínimo de dignidade para permanecer no campo.
A Federação levou o diagnóstico da situação dos produtores ao legislativo. Obteve retorno?
A Assembleia Legislativa não tem autonomia para desenvolver nenhum projeto, mas fomos buscar o apoio dos deputados porque iríamos entregar esse documento ao governo e que se propostas do Executivo viessem para a AL, fossem aprovadas no Legislativo. Mas não chegaram propostas do governo. Recebemos essa garantia do presidente Ricardo Motta de que seria tratado com a maior urgência, mas infelizmente nada chegou.
Um inverno dentro da normalidade, este ano, é suficiente para recuperar o setor?
Demanda muito mais tempo. Se tivermos cinco anos de bom inverno, acho que na questão da agricultura poderá se recuperar, já para a pecuária seria necessário dez anos para haver uma plena recuperação. Não há como fazer um plantel de um ano para o outro. É um ano eleitoral e preocupa muito porque tem um período muito curto para que os projetos sejam desenvolvidos. Mas somos otimistas.
O governo federal ampliou o subsídio das matérias-primas para ração animal. As metas foram cumpridas?
Estivemos com o presidente da Conab, Rubens Rodrigues, e fizemos pleito de 110 mil toneladas de milho para o Rio Grande do Norte referente ao ano de 2013, e com o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Neri Geller, a quem também entregamos essa demanda. Porém, no ano passado, só atenderam cerca de 50 mil toneladas de milho. Menos da metade do que pedimos. Para este ano, estamos novamente fazendo os pleitos, mostrando ao governo a urgência. O milho não resolve totalmente, mas é um componente importante neste momento de dificuldade dos produtores. Falta vontade política para resolver, de fato, a situação dos nossos produtores rurais. Fica mais fácil se eles entenderem que é prioridade o produtor rural.
O setor teme que diante de um bom inverno, os gestores esqueçam as implicações dos dois anos de estiagem?
Não vamos deixar que isso aconteça porque e Faern tem um trabalho muito consistente em mostrar ao governo que precisamos de programas e projetos para médio e longo prazo. Não podemos ficar eternamente apagando fogo, cuidando de crise.
O programa de perfuração de poços não avançou?
As ações de convivência com a seca estão sendo feitas basicamente com recursos do governo federal. Pouco do governo do estado. Quando isso ocorre, você acaba ficando limitado. Se os governos tivessem se empenhado e instalar ao menos os poços já perfurados, certamente teríamos amenizado a vida dos pequenos produtores rurais. Mas muito pouco foi feito; pouquíssimas perfurações e instalações.
Os dois anos de estiagem sabidamente trouxeram prejuízos ao semiárido nordestino que transpassam os aspectos financeiros. Mas a falta de perspectivas de políticas públicas que melhorem essa convivência do homem com a seca é, de acordo com o presidente da Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado do Rio Grande (Faern), José Álvares Vieira, o principal entrave à população que habita essa região. Mesmo em estado de emergência, as ações são morosas e não conseguem acompanhar ou se antever às necessidades do agropecuarista, segundo a Faern, que cobra providências governamentais para dar celeridade à implementação dos programas e uma política de crédito mais justa para os pequenos e médios produtores.
júnior santosJosé Álvares Vieira é presidente da Federação da Agricultura do RN (Faern) e do sistema Senar
As
providências como o envio de milho com preço subsidiado não atendeu à
demanda e, de acordo com José Vieira, apenas metade do milho solicitado
pelos pecuaristas potiguares chegou às cocheiras das propriedades
rurais. Em 2013, os pecuaristas solicitaram 111 mil toneladas, mas a
Conab atendeu apenas 51.415 toneladas. A entrega chegou a 85 mil
toneladas porque havia 33 mil toneladas remanescente do ano de 2012,
para frustração dos criadores.Nesses dois anos, a Faern afirma que a corrida por essa ração subsidiada fez o pecuarista criar uma situação danosa ao setor: declarar à Conab um rebanho que já não existia nos currais, na tentativa de captar uma quantidade maior de milho nos galpões. Uma irregularidade que os gestores não conseguiram estancar e que mesmo após dois anos de seca e uma grande mortandade de gado, fez o rebanho bovino do Rio Grande do Norte aumentar nas estatísticas oficiais. Algo que mais à frente poderá ter implicações ao setor. Confira a entrevista.
Quais as implicações de dois anos seguidos de seca para o setor agropecuário?
A seca não acabou. Existe a possibilidade de um inverno dentro da normalidade. Dia 20 tem mais uma reunião dos meteorologistas em Fortaleza (CE) para analisar os próximos três meses e aí sim teremos noção de como será o ano. Mas os anos de 2012 e 2013 foram os piores dos últimos 50 anos com relação à incidência de chuvas. A pecuária de leite reduziu em 50%, com alta mortalidade de gado em função da seca, parte desse gado vendida para salvar o restante do rebanho. Alguns criadores venderam para evitar as perdas. Foram anos de muitas dificuldades em relação à pecuária de corte e de leite. Perdas severas também na produção de castanha de caju, queda superior a 70% nesses dois anos. Passamos de grande exportador de castanha à quase inexistência de produção. Situação similar na apicultura, com redução superior a 90% na produção e também queda na produção de cana-de-açúcar (30%).
Em 2014 é que conheceremos a dimensão dessas consequências?
Não. A perda é instantânea. À medida que falta chuva, falta produção e temos perdas — de rebanho e leite, por exemplo. O produtor é quem mais sofre com a seca porque ela é silenciosa. A falência vem de forma silenciosa, e vai morrendo aos poucos porque deixa produzir também os grãos. O setor agropecuário do Rio Grande do Norte está passando pelos piores momentos dos últimos 50 anos, por falta de ações de governo. Não estamos pedindo favor, nem esmola. Queremos o reconhecimento do trabalho desses produtores pelo país.
Em 2013 a Faern estimou a perda no rebanho bovino Estado. Há um dado consolidado?
Se formos levar em conta os dados oficiais, tivemos até aumento nesse rebanho, mesmo considerando os dois anos de seca. Os dados, no entanto, não condizem com a realidade. Com o objetivo de obter ou manter uma quantidade maior de milho junto à Conab, muitos criadores declararam um rebanho que tinham antes da mortandade ou mesmo venda desse gado. Por isso essa distorção nos dados oficiais. Algo perigoso para a pecuária do Estado, especialmente agora que somos área livre da aftosa. O Idiarn precisa urgentemente fazer um censo nas propriedades rurais para termos um dado preciso, pois o último levantamento é de 2006. A informação que temos é que será feito entre março e abril com cobertura entre 10 a 12 mil propriedades rurais. Só assim teremos a segurança de o nosso sistema de defesa agropecuária estará rodando de forma confiável.
Muitas das promessas e ações não saíram do papel?
Em 2013, a Federação fez um documentário chamado “retratos da seca”, quando percorremos mais de 1.100 km em vários municípios para mostrar e dar visibilidade à tragédia que estava ocorrendo nas propriedades rurais. Isso rendeu um documento entregue ao Governo do Estado. Mas infelizmente não tivemos sucesso. Por outro lado estivemos também com a presidenta Dilma Rousseff, quando ela esteve em Ceará Mirim, e entregamos um documento, mostrando a tragédia daquele momento. Pontuamos quatro itens: perfuração de poços, que não está funcionando de forma a contento; a continuada falta de milho da Conab; a questão do endividamento que o governo só fez empurrar com a barriga até 2016; e o acesso às linhas de crédito emergenciais, que para o pronafiano ela é imediata, e para o pequeno e médio produtor precisa atender 23 itens que são totalmente impossíveis de atender, fazer projetos e todo tipo de certidão, porque o risco ali é do banco. Quando é para o agricultor familiar e para o trabalhador, o risco é do Tesouro.
Quais as implicações do endividamento?
O pequeno e médio produtores rurais não tiveram nenhum apoio e suporte do governo, seja estadual ou federal. São os mais sacrificados porque os pronafianos, aqueles da agricultura familiar, têm garantia safra, crédito emergência, e vários outros programas. Já o pequeno e o médio não têm qualquer assistência. Por isso é onde está a falência maior do setor.
Decretar estado de emergência nesses dois anos tem surtido os efeitos esperados?
O que mais dificulta para isso funcionar é a vontade política. Enquanto o governo não entender que essa questão do semiárido precisa ser tratada com bastante responsabilidade no sentido de que é urgente, porque temos mais de 500 mil pessoas morando nessa região, pouco vamos avançar. Essas pessoas precisam do mínimo de dignidade para permanecer no campo.
A Federação levou o diagnóstico da situação dos produtores ao legislativo. Obteve retorno?
A Assembleia Legislativa não tem autonomia para desenvolver nenhum projeto, mas fomos buscar o apoio dos deputados porque iríamos entregar esse documento ao governo e que se propostas do Executivo viessem para a AL, fossem aprovadas no Legislativo. Mas não chegaram propostas do governo. Recebemos essa garantia do presidente Ricardo Motta de que seria tratado com a maior urgência, mas infelizmente nada chegou.
Um inverno dentro da normalidade, este ano, é suficiente para recuperar o setor?
Demanda muito mais tempo. Se tivermos cinco anos de bom inverno, acho que na questão da agricultura poderá se recuperar, já para a pecuária seria necessário dez anos para haver uma plena recuperação. Não há como fazer um plantel de um ano para o outro. É um ano eleitoral e preocupa muito porque tem um período muito curto para que os projetos sejam desenvolvidos. Mas somos otimistas.
O governo federal ampliou o subsídio das matérias-primas para ração animal. As metas foram cumpridas?
Estivemos com o presidente da Conab, Rubens Rodrigues, e fizemos pleito de 110 mil toneladas de milho para o Rio Grande do Norte referente ao ano de 2013, e com o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Neri Geller, a quem também entregamos essa demanda. Porém, no ano passado, só atenderam cerca de 50 mil toneladas de milho. Menos da metade do que pedimos. Para este ano, estamos novamente fazendo os pleitos, mostrando ao governo a urgência. O milho não resolve totalmente, mas é um componente importante neste momento de dificuldade dos produtores. Falta vontade política para resolver, de fato, a situação dos nossos produtores rurais. Fica mais fácil se eles entenderem que é prioridade o produtor rural.
O setor teme que diante de um bom inverno, os gestores esqueçam as implicações dos dois anos de estiagem?
Não vamos deixar que isso aconteça porque e Faern tem um trabalho muito consistente em mostrar ao governo que precisamos de programas e projetos para médio e longo prazo. Não podemos ficar eternamente apagando fogo, cuidando de crise.
O programa de perfuração de poços não avançou?
As ações de convivência com a seca estão sendo feitas basicamente com recursos do governo federal. Pouco do governo do estado. Quando isso ocorre, você acaba ficando limitado. Se os governos tivessem se empenhado e instalar ao menos os poços já perfurados, certamente teríamos amenizado a vida dos pequenos produtores rurais. Mas muito pouco foi feito; pouquíssimas perfurações e instalações.
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